terça-feira, 6 de outubro de 2009

Charlie & Lola

Começou com um susto bobo: "Você escuta Nirvana?!?!". Era aniversário dela, e ele chegou ao pequeno bar central antes de qualquer convidado, inclusive da própria anfitriã, que comemorava 19 anos àquela noite. Não aceitou bebida nem cigarro. Ela achou aquilo um saco.
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(um) tudo (quase) desaparecendo

Flores cor de rosa nas mesas, uma pequena cozinha encomendada na véspera, aquele vestido rodado de renda. Dúvidas, insistentes e variadas, uma penca delas. Gosto amargo de fim, suspiro de recomeço, velho prenúncio de desespero. Inevitável sofrimento, sussurrava a vida, irônica e surpreendente; dor ainda branda, rascunho apenas. O peso imenso das costas derrubava expectativas, atrasava a experiência, destronava sorrisos. Há dois meses sentia-se enfiada na rota errada, incapaz de explicar "porquês" e "quandos". Forgotten Boys com Charlie era uma maneira masculina de gritar seu basta. Ignorar os fantasmas, ou aceitá-los de vez, à revelia do cartesianismo dos chatos. Em menos de uma hora já experimentava a única madrugada tranquila daqueles meses imundos. Nunca nomeou os motivos: a cumplicidade se infiltrava sem qualquer resistência, dispensando o empenho, espontânea como todos os legítimos. Ao fim das canções, atravessaram lado a lado as dunas molhadas. Sem qualquer palavrinha, embora fossem cheios delas, voaram de tão leves. Ali Lola entendeu o que era ser livre.


(um) tudo (quase) nascendo

Sempre houve mais angústia ao lidar com princípios do que com fins. "Hábito", ela se defendia. Charlie refutava o argumento com a provocação de sempre: a zona de conforto de Lola não comportava a felicidade. Naquele dezembro, quando acordou e observou o inquietante entorno, lembrou-se dele, e da sugestão espinhosa: tudo se confirmara, de súbito, sem tabelas de planejamento, contrariando as mais incautas previsões. Tudo, todas, sempre, nova série de definitivos. "Morte, nascimento, como reconhecer?" - a velha pergunta da infância. Os olhos arregalados denunciavam o susto (pavor?) diante da precisão da roda-viva, alheia às convicções, aos subterfúgios, aos esconderijos. A vida riu dela, e ela agora ria sozinha. "Me leva até o seu quarto pela mão"- ecos, pistas, palavras soltas. Vento frio, de congelar o estômago. Ventania que aquece o coração. Falta de fome, de norte, de escuro. Falta de costume. Perderam-se em outra noite esquisita. Ali Charlie acompanhou calado o tormento sorridente de Lola, vítima voluntária daquela felicidade assustada e livre. Leves, juntos, de novo, sempre.

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Ele esteve lá em todas as necessidades: arrancos, tédios, dramas, dores, atropelos. Ela compartilhou cada pedaço de felicidade, raridade diante da velha mania de sorrir sozinha. Charlie hoje em dia finge que bebe. Lola ainda escuta Nevermind.

4 comentários:

  1. adorei! irmãozinhos de verdade! pra sempre!

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  2. Bonito, ainda que um tantinho distorcido. O fato é que tudo está como sempre foi: ele não gostando de álcool, ela fingindo gostar de Nirvana.

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  3. diego, como tu consegue ser tão irritante?!?!

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  4. é uma mala mesmo! hahahahaha

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