quarta-feira, 30 de março de 2011

saber, viver.

"O saber sucumbir sem evadir-se do perigo de viver singulariza o morrer do homem que perece, mas não se perde nem se vai em vão".

Ronaldes de Melo e Souza

sexta-feira, 25 de março de 2011

a esperança em retrospecto

"Não quero repetir minha inocência. Quero ter o prazer de voltar a perdê-la".

(Este lado do paraíso, Scott Fitzgerald)

segunda-feira, 21 de março de 2011

meus mais - drops

"Como quando se tira um vestido velho do baú, um vestido que não é para usar, só para olhar. Só para ver como ele era. Depois a gente dobra de novo e guarda mas não se cogita em jogar fora ou dar. Acho que saudade é isso".

(As meninas, Lygia Fagundes Telles)

sexta-feira, 18 de março de 2011

inspirações, poema de fim de semana

Nunca compreenderam o fracasso. Ele estacionou apressado, confuso ainda, gravata preta desafiando o vento sul. Ela nunca mais seria a mesma: missão, cabelos, coração. Ele jamais soube, mas algo imenso ruíra três semanas antes daquele aperto de mão desengonçado. Ouviu as palavras decididas, sempre tão bem urdidas, e sentiu algo entre o interesse e a desconfiança. Fernando Pessoa? Mas ela não conhecia a Tabacaria do outro lado da rua e recusou três vezes. Aceitou as 300 seguintes. Jamais tanto sucesso.


TABACARIA
(Álvaro de Campos/Fernando Pessoa)

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas
- Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chava, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê
-Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)

Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente

Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,

Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeiraTalvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.

quinta-feira, 17 de março de 2011

feliz 2011

Porque alunos novos é sempre vida nova. Ainda mais na UFSC.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Às margens do tempo

Obra de Faulkner narra decadência de família presa entre a memória e a ausência

Um passado opressivo que afasta qualquer possibilidade de horizonte. Uma família destruída pelo peso das lembranças, à espera da extinção redentora. Um presente pálido, sem ação e sem futuro, conduzido por heróis falíveis que jamais encontraram razões para suas lutas. Uma linhagem ameaçada pelo tempo, um tempo cruel e misterioso, que corrói a experiência humana como uma ferrugem faminta.

Terceiro romance do norte-americano William Faulkner, o recém-lançado Sartoris (Cosac Naify, 416 pgs.), de 1929, desbrava os infortúnios do clã homônimo, imobilizado entre os grandes feitos do Coronel John Sartoris, morto na Guerra da Secessão, e a permanência em um mundo herdado, em constante decomposição. Estreia do condado fictício de Yoknapatawpha, no Mississipi, o livro esboça boa parte do estilo que marcaria a poética do autor, e que lhe renderia o Prêmio Nobel de Literatura, em 1949.

O protagonista Bayard Velho, nascido “tarde demais para uma guerra e cedo demais para a guerra seguinte”, compartilha com o filho de mesmo nome velhos traumas – ambos perderam irmãos em combate. Tia Jenny, a irmã mais nova do coronel, vela os tempos de outrora, valorizando o sentido do passado e mitificando a sucessiva marca trágica dos homens da família. Nesta existência voltada para o que já foi, ignora o propósito das novas gerações: “Eles não são os meus Sartoris”.

Como em toda a ficção do autor, os homens daqui adquirem identidade a partir da soma dos seus infortúnios - por isso a impossibilidade de libertação dos próprios fantasmas. Há sempre algo maior que assombra o indivíduo, impedindo a afirmação do presente e guiando a existência como uma ampulheta esburacada, resquício das incertezas alardeadas em anos de Guerra Civil, na construção do ethos sulista.

O peso da experiência passada, com seus ferimentos e seu sentido indubitável e majestoso, verga a mansão de origem escravocrata da família, impondo ações raquíticas e intensa memória. Quase não há atividade: parte porque a monumentalidade da escrita do autor parece se bastar, parte porque a vida é escassa em existências orientadas pelo passado. Graças a esta cortina de fumaça, as circunstâncias preponderam sobre os fatos e os grandes atos das personagens são apenas sugeridos, abrindo o palco para suas consequências, sobretudo as internas.

Tudo aqui é desespero, culpa, prisão. Não à toa, Bayard busca dia após dia o acidente que irá redimi-lo de uma existência inoperante, seja pelo excesso de bebida ou de velocidade. Contando a sua primeira saga em Yoknapatawpha, Sartoris percorre conceitos que atravessam a ficção de William Faulkner como um todo: heroísmo e resistência, habilidade e desistência, impossibilidade e permanência.

Ao mesmo tempo que articula uma série de procedimentos modernistas que viriam consagrar a obra do escritor, sobretudo após O som e a fúria, também escrito em 1929, constrói um universo: levanta, pela primeira vez, a poeira incômoda e eterna das estradas do sul.

Jade Gandra Dutra Martins é pós-doutoranda em Teoria Literária.

(Texto originalmente publicado no DC Cultura / Diário Catarinense, 12/03/2011)

quinta-feira, 10 de março de 2011

tempestade líquida

É crua a vida. Alça de tripa e metal.
Nela despenco: pedra mórula ferida.
É crua e dura a vida. Como um naco de víbora.
Como-a no livor da língua
Tinta, lavo-te os antebraços, Vida, lavo-me
No estreito-pouco
Do meu corpo, lavo as vigas dos ossos, minha vida
Tua unha plúmbea, meu casaco rosso.
E perambulamos de coturno pela rua
Rubras, góticas, altas de corpo e copos.
A vida é crua. Faminta como o bico dos corvos.
E pode ser tão generosa e mítica: arroio, lágrima
Olho d'água, bebida. A Vida é líquida.

* * *

Também são cruas e duras as palavras e as caras
Antes de nos sentarmos à mesa, tu e eu, Vida
Diante do coruscante ouro da bebida. Aos poucos
Vão se fazendo remansos, lentilhas d'água, diamantes
Sobre os insultos do passado e do agora. Aos poucos
Somos duas senhoras, encharcadas de riso, rosadas
De um amora, um que entrevi no teu hálito, amigo
Quando me permitiste o paraíso. O sinistro das horas
Vai se fazendo tempo de conquista. Langor e sofrimento
Vão se fazendo olvido. Depois deitadas, a morte
É um rei que nos visita e nos cobre de mirra.
Sussurras: ah, a vida é líquida.

* * *

E bebendo, Vida, recusamos o sólido
O nodoso, a friez-armadilha
De algum rosto sóbrio, certa voz
Que se amplia, certo olhar que condena
O nosso olhar gasoso: então, bebendo?
E respondemos lassas lérias letícias
O lusco das lagartixas, o lustrino
Das quilhas, barcas, gaivotas, drenos
E afasta-se de nós o sólido de fechado cenho.
Rejubilam-se nossas coronárias. Rejubilo-me
Na noite navegada, e rio, rio, e remendo
Meu casaco rosso tecido de açucena.
Se dedutiva e líquida, a Vida é plena.

* * *

Te amo, Vida, líquida esteira onde me deito
Romã baba alcaçuz, teu trançado rosado
Salpicado de negro, de doçuras e iras.
Te amo, Líquida, descendo escorrida
Pela víscera, e assim esquecendo
Fomes
País
O riso solto
A dentadura etérea
Bola
Miséria.
Bebendo, Vida, invento casa, comida
E um Mais que se agiganta, um Mais
Conquistando um fulcro potente na garganta
Um látego, uma chama, um canto. Amo-me.
Embriagada. Interdita. Ama-me. Sou menos
Quando não sou líquida.

(Alcóolicas, Hilda Hilst)

quinta-feira, 3 de março de 2011

gemas



"Não acredito em honestidade sem acidez, sem dieta e sem úlcera".

quarta-feira, 2 de março de 2011

orações de mississipi

De tantos em tantos dias, após um pedido da srta. Jenny, ela vinha, sentava-se ao lado da cama e lia para ele. Ele não dava a menor importância aos livros; e era quase certo que jamais lera algo por iniciativa própria, mas ali ficava imóvel em seu gesso enquanto a grave voz de contralto dela erguia-se incessante no quarto silencioso. Às vezes ele tentava conversar, mas ela ignorava esses avanços e continuava a ler; se ele persistia, ela simplesmente se virava e o deixava. Por isso logo ele aprendeu a dissimular, em geral com os olhos fechados, percorrendo sozinho as regiões sombrias e estéreis de seu desespero, enquanto a voz dela deslizava sem parar acima dos ruídos mais distantes que chegavam até eles - a srta. Jenny repreendendo Isom ou Simon no térreo ou no jardim, o pipilar dos passarinhos na árvore perto da janela, o incessante gemido da bomba d'água além do estábulo. Por vezes ela parava de ler e o contemplava e descobria que ele estava dormindo tranquilamente.

(Sartoris, William Faulkner)

terça-feira, 1 de março de 2011

a arte da vida

"Afinal, o que há de errado com a felicidade?"

Lições do contemporâneo:

"A característica quase universal da vida moderna: a tensão perpétua entre dois valores, segurança e liberdade, igualmente cobiçados e indispensáveis a uma vida feliz - mas, que pena, assustadoramente difíceis de conciliar e usufruir em conjunto".

"Parece que hoje, embora ainda se possa sonhar em descrever antecipadamente um cenário para toda a vida, e mesmo trabalhar arduamente para transformar esse sonho em realidade, apegar-se a qualquer cenário, mesmo ao do seu próprio sonho, é assunto arriscado e pode mostrar-se suicida".

"Há uma perturbadora carência de pontos de orientação firmes e fidedignos, assim como de guias confiáveis. Essa carência coincide (de modo paradoxal, mas absolutamente não acidental) com uma proliferação inédita de sugestões tentadoras e ofertas de orientação atraentes, com uma onda sempre crescente de manuais e hordas cada vez mais amplas de consultores - tornando, contudo, ainda mais confusa a tarefa de atravessar a mata densa de proposições equivocadas ou simplesmente falsas para encontrar uma orientação capaz de realizar sua promessa".

Sussurros tão modernos do passado:

"Eu ando entre essas pessoas e mantenho os olhos abertos... Elas me bicam porque lhes digo: 'Para as pessoas pequenas são necessárias pequenas virtudes - e porque é difícil para mim entender que as pessoas pequenas são necessárias!'
Eu ando entre essas pessoas e mantenho os olhos abertos: elas ficam menores e estão ficando menores ainda: e a causa é sua doutrina da felicidade e da virtude...
Fundamentalmente, desejam uma coisa acima de tudo: que ninguém venha a lhes fazer mal. Assim tiram vantagem de todos e fazem bem a todos.
Isso, porém, é covardia: embora seja chamado de 'virtude'.
São espertos, suas virtudes têm dedos espertos, mas não têm pulsos, seus dedos não sabem entrelaçar-se em pulsos...
Isso, porém, é mediocridade: embora seja chamado de moderação.
Vocês ficarão cada vez menores, pessoas pequenas! Vocês vão esfarelar, pessoas seguras! Vocês ainda perecerão - por suas muitas pequenas virtudes, por suas muitas pequenas omissões, por suas muitas pequenas submissões".

Ecos de Zaratustra, o super-herói de Nietzsche, ele próprio o super-herói da pós-modernidade. Ecos de Zygmunt Bauman, o filósofo polonês que questiona a legitimidade dos horizontes de felicidade no mundo líquido. Se a liberdade de autocriação permanece irrealizada, simulacro ainda, em meio às sugestões do excesso, o segredo parece simples: "Entre a aceitação resignada e a decisão corajosa de desafiar a força das circunstâncias coloca-se o caráter".
Honra, em última instância.
Tudo isso e muito mais está em A arte da vida: consolo para os fortes, vitamina para os fracos.