quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

letrinhas

"Tomada pela iniciativa de concluir a despedida, Maria Carolina partiu, apressada, sem corresponder ao abraço apenas esboçado de Tom, sem sequer parabenizar a amiga pela nova conquista profissional. Entre passos em falso e corridas meio desengonçadas, caminhou até a esquina, lutando com as próprias pernas para se ver longe de Tom, ao menos naqueles minutos, confusa pelo único pensamento que persistia em sua mente como idéia fixa. Seria melhor agora, explicava, de si para si, sem saber exatamente o quê; afinal deveria valer para alguma coisa não ter mais dúvida alguma sobre o que desejava próximo e o que preferia manter bem longe. Vencida pelo susto, porém, não teve tempo de atravessar a rua: apoiada num banco público de ferro branco, chorou compulsivamente durante a meia hora inteira que levou para perceber que tudo já se modificara mais uma vez. Eram as primeiras lágrimas desde que seu olhar alcançara Beto naquele caixão; era talvez a última chance deles, ela e Tom, Tom e ela".

(livro de gaveta, prometido para 2010)

PS: De volta à carreira universitária, depois de um ano afastada por falta de alunos. Professora, mais uma vez, agora da Uniban. Já adianto: nada de vestidos cor-de-rosa.
PPS: Bem-vindo, Antônio! Que seja doce a sua história.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Um brinde (sem álcool)

Bastaria um telefonema à meia-noite, seguido da frase engasgada: "obrigada por tudo, por ser, por existir". Mas Lola não conseguiu. Sabia que iria muito além.

"Me ensina os passos lentos. Me ajuda a respirar. Como você alcança essa frequência? De onde sai tanto silêncio?"

Deitou, pensou, escreveu o sms de feliz aniversário. "Amo" - apenas as três letras mágicas, reunidas na ordem ideal. Charlie era seu irmão, uma fatia dela, ácida, e aquilo era tão grandioso que impedia o milagre da frase correta. E logo com ela, tão cheia de letrinhas. Buscou coragem para escrever:

"Não sei como seria sem você. Não sei quem eu seria".

Não escreveu nada.
"Amo" - apenas.
Desde sempre, pensou.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

drops

:: A única imagem assimilada por Valentina naquela manhã de abril foi o desbotado do céu: não havia contornos, nem sustos, nem margens. Apenas uma tristeza mansa que encobria seu olhar com um véu de saudade e melancolia.

:: As pessoas suportam cotas diferentes de felicidade e dor. Existe uma zona de conforto, e ela é diferente para cada um. Acreditar que excesso de felicidade constrói mais felicidade é uma falácia. Ingenuidade, na melhor das hipóteses. Se excesso de tristeza é depressão, felicidade em demasia é desespero.

:: Até conhecer Lívia eu era um homem de beiradas. Jamais ultrapassava a fronteira, jamais permiti que qualquer coisa ou pessoa se tornasse fundamental. Eis o ponto: até ser apresentado ao seu andar felino, insuportável de tão perfeito, eu não conhecia a necessidade.

:: - O que você faz aqui? - Valentina perguntou, sem esconder o estranhamento.
- Eu espero.
Algo se adensa no silêncio.
- Espera o quê?
Depois do suspiro, uma confissão:
- Me espero.

(livro de gaveta)

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

velhas letrinhas

Na entrada do jardim, entre flores desbotadas e folhagens grandiosas, uma placa impedia devaneios maiores: acesso proibido à noite. Encararam a ordem, em roupas de banho. Olharam-se, trocando sorrisos imediatos. De mãos dadas naquele novo risco, inocente agora, desafiaram o imperativo, mais uma vez, mergulhando na piscina sob as estrelas caducas do céu bahiano. A temperatura da água competia em frieza com os buracos fundos do estômago. Talvez tudo estivesse sendo decidido naquele instante: a dimensão do futuro, as páginas cheias de rasuras, o sentido do passado, a longa estrada de feridas. Poderiam ter sido melhores um para o outro, sem dúvida. Se tivessem previsto tamanho sofrimento, talvez conseguissem engrossar os escudos. Impossível aquilo também, impossíveis as felicidades distantes. Talvez tudo já tivesse se decidido há tempos, à revelia das vontades mais legítimas. Sustentaram o silêncio por longos minutos. Ela mergulhou de novo, aproximando-se dele, encostado na borda. Renovada pelo conjunto de braçadas, Lívia encontrou coragem para começar pelo pior dali:

- Eu te quis demais àquela noite.

Frederico apenas sorriu, os olhos quase fechados. Há meses aguardava qualquer confissão sobre a sua madrugada mais frustrada. Se nunca acreditou tanto no futuro quanto naquelas quatro horas espremidas entre vícios da rotina, jamais alcançara o mal da manhã seguinte. "Nossas glórias serão sempre ingratas" - ela ainda sugeriu, na despedida, taça de vinho tinto na mão. A inviabilidade do enredo, as promessas fajutas trocadas em mesas de bar, o olhar trêmulo de pavor, a mistura da maior dor à grande benção, tudo aquilo partiu-o. Partiu-o em tantos que se escondia no hotel desde então: encontrara fantasmas demais perambulando nas ruas. A solução, supostamente temporária, já devorara alguns anos de sua vida. Do momento que escondeu as alianças no bolso até aquela nova infração, jamais ultrapassara os portões de entrada para o lado de lá, o lado do mundo, o lado da vida, o lado de Lívia. Fazia 2 anos, 3 meses e 23 dias, e ele jamais se perdeu nas contas. Desnorteado desde o inesperado telefonema, após alguns ensaios infrutíferos em frente ao espelho, conseguiu responder, ainda rouco de surpresa:

- Eu também te quis demais àquela noite.

Olharam-se num silêncio quente e úmido. Ele espiou os arredores, resignado com os esqueletos do armário. Por mais sujas que estivessem suas mãos, sempre soube que reencontraria aquela voz. Ela voltou à dor, à perda, às negativas. Gostaria de reescrever os princípios todos, mas talvez não houvesse mais tempo. Parecia sempre tarde para os imprescindíveis. Quis chorar pela fraqueza, pela recusa, pelo medo. Encarou Frederico, que sorria um sorriso de compreensão. Ele entendia, de fato. Não sabia exatamente o quê, nem como, mas entendia. Compreendia o fracasso e a dúvida, os passos apressados e a imaturidade irresponsável, a fuga melodramática pela porta dos fundos e os olhos sempre borrados de rímel. Afastando qualquer desespero, recorreu à lembrança salvadora: jamais outra oferta alcançara aquela dimensão. Espanou os pós todos, do coração aos saltos, da cabeça fervilhando, da vida equilibrista. Encerrou a questão:

- E ainda não amanheceu para mim.

(livro de gaveta)

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Diretoria *

Um deles é intenso como um ponto de exclamação! Fala alto, ri gostoso, explode em palavrões e superlativos mesmo diante das histórias mais ordinárias. Menino ainda, já foi estudante, garçom, recepcionista, produtor, professor, recreador, gerente e cozinheiro, dentre outras atuações impublicáveis. Só faltou a enfermagem. Encaminhado na direção, agora é linguarudo de carteirinha, além de jornalista convicto. Descobriu novinho as surpresas da vida, nem sempre agradáveis, mas dispensou o susto com bom humor. Levou a lição adiante e hoje compensa o tom ardidinho recusando quaisquer julgamentos. Sobretudo os próprios.

O segundo integrante chegou de mansinho, arrastado por uma circunstância nada simpática: começara a namorar uma delas. Quando perceberam, o intruso alastrara-se com tal competência que já coordenava a turma toda. Sempre gostou de carro, futebol e cervejinha, temas antes pouco explorados nas assembléias da diretoria. Aprendeu a conviver com avaianos, sacrifício maior, e enredos dignos de seriado. Especialista em conselhos racionais, desconfia de tudo, bastante, o tempo inteiro. Quando cisma com algo ou alguém, vira piada interna, tamanha implicância. Quando precisa voltar atrás, não recua. Mas mantém o famoso bico armado.

O terceiro sempre alimentou uma perigosa mistura de autocomplacência e irrestrito desprezo pela humanidade. Após anos fora da província, voltou ainda mais, digamos, peculiar. Sábio como uma entidade budista, dotado de certa mediunidade ingrata, antecipa desfechos, prevê situações, anuncia desastres catastróficos - sempre com o mesmo tom de voz. Quase nunca é ouvido. Protesta esbravejando contra o repertório alheio, do alto de sua montanha indie. "É porque eu sou de aquário, babe". Dado a surtos esporádicos, desaparece de vez em quando, sem rastros. Quase sempre incomoda mais do que conforta. Por tudo isso, e tantos mais, nasceu para rei.

Da ala feminina, ela é a mais doce. Transforma os problemas de todos, dos banais aos grandiosos, em enxaqueca ou pesadelos repetitivos, geralmente envolvendo janelas. Ouve calada as histórias mais cabulosas; palpita pouco e compreende tudo. Parceira em games enjoativos, mania antiga das moças, está sempre presente, mesmo quando duplica a carga horária no consultório. Gosta de bichos e conversas esticadas, descobre canções fofinhas que escuta até cansar, lê Fitzgerald na esteira da academia, cria apelidos constrangedores dos quais não consegue se desvencilhar depois. Adepta do macrovita até debaixo d'água.

A outra integrante atravessa profunda transformação, dadas as preferências líquidas da diretoria: trocou as taças de vinho pelo suco de limão, ao descobrir que esperava o primeiro bebezinho. Para compensar o radicalismo necessário, aplicou negrito em várias qualidades. Extremada defensora dos amigos, mesmo quando os encontra nas situações mais desconfortáveis, luta com unhas e dentes contra todos que agridem seus eleitos. É tão parceira que perdoa sem titubear, defende sem pedir explicações, ri e sofre sem saber por quê. Já foi loira, ruiva, morena e cantora. Hoje coleciona histórias bizarras e pede fraldas tamanho M ou G.

A terceira integrante alcançou a façanha suprema: COCHILAR em meio às seletas reuniões festivas. A naturalidade com que os olhos se fecharam em pleno sofá foi tão assustadora que constrangeu até mesmo os defensores do afastamento. Acabaram por concordar, em uníssono: tal desfaçatez merecia respeito, jamais reprimendas. A dona da improvável dormidinha é toda assim: desligada, trapalhona, péssima para números. Em compensação, é autora dos conselhos mais malucos, das histórias (de amor) mais compridas e das madrugadas mais divertidas. Quando alcança o milagre de ultrapassar a meia-noite, é claro.

A última, criadora do conceito "diretoria", mentora da idéia de reunir a turma sob o peso da responsabilidade do título, atrapalha-se um bocado. Tudo é meio over ali: caminha, atropela, ama, arranha. Tem um irmão de fé e outra de infância. Já precisou pedir perdão, e chorou ao receber um abraço apertado de volta. Já precisou partir algumas vezes, mas conseguiu seguir adiante sem olhar pra trás. Graças, sempre, às mãos que encontrou estendidas. Assim como o Nelsão, reconhece que o amigo é um momento de eternidade.

Erram aos borbotões, quase todos os dias, como todo mundo. Acertam também, compartilhando vitórias e felicidades. São velhos amigos de infância, embora dois ou três tenham se encontrado depois dos vinte. Mesmo com motivos de sobra para preocupação - pais, filhos, casa, emprego, dinheiro - confortam-se com a presença inequívoca. Brigam entre si, também quase todos os dias. Mas abandonam qualquer rusga ou arrufo para zelar pela potência da instituição. Alguns adivinham madrugadas escuras, oferecendo telefonemas salvadores. Outros só sorriem, em silêncio.

* A você, irmão, irmão, irmão, meu xodó, meu mais.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Vicky, Cristina, Barcelona.

A autoria do norte-americano Woody Allen sugere duas interpretações da experiência humana. A primeira, com aparições esporádicas na indústria do cinema, tragifica experiências comuns à modernidade (ainda que desconfortáveis), condenando as personagens a escolhas extremas, motivadas por erros possíveis de driblar com um tantinho de sorte ou temperança. Assim ocorre em Crimes e Pecados, que conta o drama do médico Judah Rosenthal , disposto a assassinar a amante para livrar sua reputação de interferências negativas. Assim também ocorre no recente Match Point, microcosmo do seu "cinema de dilema", no qual o protagonista Chris Wilton vive um pesadelo particular, repleto de mentiras e baixezas, após se envolver com uma aspirante a atriz.

Quando potencializa o desvio das fronteiras, Woody Allen coloca no centro da cena os erros e enganos espontâneos, geralmente infidelidades, que transformam/transtornam a vida dos (anti-) heróis, expulsando-os para sempre da zona de conforto. Geralmente tais ultrapassagens do "esperado" corroem os arredores da experiência dos protagonistas até atingirem o ponto mais íntimo, ápice da trajetória descendente desses mocinhos tão cheios de potência (para o bem e para o mal). Ironicamente, nos dois casos citados as personagens principais escapam das consequências legais (merecidas, até segunda ordem). Na primeira história, por inteligência. Na segunda, por um golpe de sorte. Não escapam, porém, deles mesmos: seguem com a culpa.

Mas há um outro Woody Allen, não tão afeito ao trágico, que flerta periodicamente com a maneira libertária com que o espanhol Pedro Almodovar espia o mundo do lado de cá. Quando elabora tal visada, abandona a tragificação do cotidiano para seguir o caminho oposto: naturalizar as situações mais exóticas, simplificar descaminhos (aparentemente) chocantes, amplificar o mínimo detalhe que transforma desvio em imperativo. E é este Woody Allen subversivo que comanda roteiro e direção de Vicky, Cristina, Barcelona.

Num ensolorado verão em Barcelona, a correta Vicky se apaixona pelo "quente" Juan Antonio, artista plástico de renome, às vésperas do casamento dos seus sonhos. Envolve-se com ele, dorme com ele, não consegue tirá-lo da cabeça. O noivado continua, até virar casamento. A paixão permanece. Cristina, oposta em tudo da melhor amiga, defende o amor livre. Acaba nos braços do latino que confundiu Vicky, com quem vai morar na mesma semana. O quadrilátero se confirma quando a perturbada Maria Elena, ex-mulher de Juan, volta para casa após uma tentativa de suicídio. Cristina envolve-se com os dois, e tudo termina num triângulo insólito, desfeito justamente quando adquire o "peso" do ordinário/comum/pacífico. Nenhum deles sabe exatamente o que quer, e tal incompletude parece ser resultado de corações cheios de dúvida, sempre prontos para bater em horas impróprias.

Todos erram aqui. Não são maus, mas erram por querer, sobretudo a mocinha clássica, Vicky, que precisa receber um tiro na mão para reconhecer a inadequação da roda-viva Maria Elena & Juan às suas expectativas de futuro. Pior: ela erra e ninguém sabe, sequer o noivo. Cristina, ao mesmo tempo, destrói um triângulo (ironicamente) perfeito por pura insatisfação (incurável), desestabilizando a vida de duas pessoas para seguir adiante com a sua. Juan Antonio e Maria Elena optam pela frequência de sempre, entre agressões físicas e encontros fulminantes.

Todos erram aqui, de fato. Envolvem pessoas, subvertem as regras, escondem dados importantes. Mas são todos honestos com o mais importante, eles mesmos. Honestos com suas verdades voláteis, com suas promessas fajutas, com suas permanências insondáveis, com seus mistérios e, sobretudo, com suas confusões. Nas mãos generosas do diretor, tornam-se humanos, jamais imaturos. Woody Allen conhece nossas falhas, nossas faltas, nossas ganas, e nos abençoa (também) por isso. Conviver com os erros é lição de sabedoria, parece dizer, jamais de destruição.

* Scarllet Johansson (a Cristina) foi um dos meus vícios de novembro. Achei completamente vintage a sua voz agudinha e viciei no álbum dela com Pete Yorn. Hoje não aguento mais ouvir...

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

de volta.

votos de coragem e felicidade para todos em 2010.
votos de amor e sossego.
votos de perdão, saúde e prosperidade.
que a vida seja doce conosco.