quinta-feira, 2 de junho de 2011

Paraíso perdido *

Prestes a completar 90 anos, romance de estreia de Scott Fitzgerald reconstrói a esperança e o fracasso de uma geração desiludida


Amory Blane cresceu entre taças reluzentes e festas glamourosas. Seleciona amigos em confrarias restritas à alta roda, debate assuntos polêmicos com a arrogância incansável dos imaturos, esnoba escolas exclusivas e faculdades que formaram presidentes. Retrato de uma geração deslumbrada com as infinitas possibilidades de ascensão social, não perde a fé no sonho americano e, sobretudo, no próprio futuro.

Este Lado do Paraíso (Cosac Naify, 335 pgs., R$ 69), porém, não se limita (apenas) à elaboração de personagens desesperadas por desfrutar a vida até a última gota – de álcool e prazer. Oscilando entre a euforia e o desespero, refaz a curva trágica de madrugadas plenas de dissipação, típicas da era do jazz, que culminam, sempre, em manhãs violadas por ressacas grandiosas.

Repleto de expectativas borbulhantes, o jovem Amory acaba vítima dos próprios delírios de ascensão. O excesso de ofertas e autoconfiança torna-o incapaz de aprofundar e amadurecer qualquer experiência, minando o futuro glorioso. Seu fim é o destino de boa parte da geração que viveu aqueles tempos de fortuna e modernização: pobre e solitário, sem diploma, sem futuro e com o frigobar vazio.

Sucesso absoluto de crítica e público, Este Lado do Paraíso vendeu inacreditáveis 50 mil exemplares, definiu uma época, disseminou gírias e ainda transformou seu autor em pop star. Com os bolsos cheios de dólares, Fitzgerald conseguiu casar-se com uma excêntrica dama da alta sociedade, Zelda, alcançou as colunas sociais e conquistou a tão desejada elite norte-americana. Era o passaporte que faltava para encarnar, ele mesmo, a falência do sonho americano tão bem retratada em sua ficção – morreu aos 44 anos pobre e solitário, alcoólatra e esquecido, como suas tristes personagens.

Mais do que contar a história do menino que prometia conseguir se tornar tudo aquilo que almejasse, analogia da prosperidade da nação americana antes da quebra da Bolsa de Valores de 1929, Fitzgerald evoca a decadência de uma geração que acorda miserável do sonho dourado – sem dinheiro e sem valores. A transformação das infinitas promessas da “nação mais poderosa do mundo” em uma espécie de desespero que tudo congela não apenas inaugura a ficção do autor como permanece como elemento central de sua poética.

Se prosseguiu abordando o tema durante toda a sua trajetória ficcional, como em Belos e Malditos (1922) e Suave É a Noite (1934), desenvolvendo um estilo mais amadurecido, embora com o mesmo frescor, é em O Grande Gatsby (1925) que explora os desdobramentos mais cruéis da escalada social. Seu herói, Jay Gatsby, mergulha tão fundo na ilusão do sonho americano que chega a morrer por ela. No fim das contas, este parece ser um chamado legítimo entre os protagonistas do autor, porta-voz da “geração perdida” da literatura americana. Afinal, como repete Amory Blane, “não quero repetir minha inocência. Quero ter o prazer de voltar a perdê-la”.


As linhas da decadência

Estreia de Scott Fitzgerald no universo dos romances, Este lado do paraíso inaugura também um olhar exclusivo sobre a derrocada dos heróis da era do jazz, assinatura de sua poética. Os descaminhos da desilusão americana estão presentes em todos os romances do autor, retratados sempre com frescor e profundidade.

Belos e Malditos (1922) – Segunda obra, conta a vida cintilante e irresponsável de Anthony Patch, herdeiro milionário formado em Harvard, e sua bela e fútil Gloria. A narrativa amadurece muitos temas da estreia: ascensão social súbita, desperdícios em noitadas intermináveis, paraísos artificiais, bebedeiras infindáveis, sonhos despedaçados e muitas, incontáveis extravagâncias.

O Grande Gatsby (1925) – Considerado por muitos a obra-prima do autor, condensa na trajetória duvidosa de Jay Gatsby a grande curva trágica da geração perdida. De garoto pobre a contrabandeador da lei seca, o protagonista arma-se de dinheiro e mistério para reconquistar a hesitante Dayse, namorada de adolescência que lhe trocou pelo milionário Tom Buchanan.

Suave é a noite (1934) – Tristemente autobiográfico, narra a ascensão e derrocada do alcoólatra Dick Diver, espécie de prodígio maldito, que abandona a medicina por uma vida de dissipação ao lado da mulher Nicole Diver, louca e milionária – livremente inspirada em sua mulher Zelda Fitzgerald. O autor levou oito anos para conseguir concluir o romance, dividido entre a ficção e constantes rehabs para amenizar o alcoolismo.

O Último Magnata (1941) – Obra póstuma, alimentada pelas derradeiras experiências profissionais do autor, como roteirista de cinema. A história persegue a trajetória do produtor Monroe Stahr (baseado em Irving Thalberg, antigo chefe da MGM), focalizando a encantadora Hollywood da década de 30. Fitzgerald morreu subitamente, de ataque cardíaco, enquanto ainda trabalhava nos últimos capítulos. A obra foi finalizada pelo seu amigo e editor, Edmund Wilson.


(texto originalmente publicado no DC Cultura, 22/05/2011)

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