segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Mãos de pedreiro, pés de bailarina

Alice descobrira muito cedo a importância de conseguir correr sem tropeçar. Como toda arte legítima, caprichosa e comovente, o galope exigia técnicas próprias: seguir adiante sem pensar na paisagem abandonada, manter os olhos imunes ao brilho dos arredores, graduar a velocidade para evitar o esgotamento, fixar um ponto qualquer e persegui-lo com suor, ainda que jamais ultrapasse a leviandade dos esboços. A prática enchia seus pés de calos, sem dúvida. Mas era o único antídoto para o coração equilibrista.

Antônio descobrira tarde demais que não concluiria a vida sem sujar as mãos. Se a bondade não servia sequer para calar as vozes, os reparos pareciam impossíveis sem alguma dose de veneno. O susto trouxe uma coleção de dúvidas indigestas, vagas como promessas de verão. De posse da revelação, arranhou, descascou, desabou, cimentou. Não demorou a experimentar a mágica dos nascimentos: maturidade, bravura, coragem, ainda alguma bondade. Reconheceu a verdade. Em terra de cego, quem tem um olho é monstro, não rei.

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