segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Vicky, Cristina, Barcelona.

A autoria do norte-americano Woody Allen sugere duas interpretações da experiência humana. A primeira, com aparições esporádicas na indústria do cinema, tragifica experiências comuns à modernidade (ainda que desconfortáveis), condenando as personagens a escolhas extremas, motivadas por erros possíveis de driblar com um tantinho de sorte ou temperança. Assim ocorre em Crimes e Pecados, que conta o drama do médico Judah Rosenthal , disposto a assassinar a amante para livrar sua reputação de interferências negativas. Assim também ocorre no recente Match Point, microcosmo do seu "cinema de dilema", no qual o protagonista Chris Wilton vive um pesadelo particular, repleto de mentiras e baixezas, após se envolver com uma aspirante a atriz.

Quando potencializa o desvio das fronteiras, Woody Allen coloca no centro da cena os erros e enganos espontâneos, geralmente infidelidades, que transformam/transtornam a vida dos (anti-) heróis, expulsando-os para sempre da zona de conforto. Geralmente tais ultrapassagens do "esperado" corroem os arredores da experiência dos protagonistas até atingirem o ponto mais íntimo, ápice da trajetória descendente desses mocinhos tão cheios de potência (para o bem e para o mal). Ironicamente, nos dois casos citados as personagens principais escapam das consequências legais (merecidas, até segunda ordem). Na primeira história, por inteligência. Na segunda, por um golpe de sorte. Não escapam, porém, deles mesmos: seguem com a culpa.

Mas há um outro Woody Allen, não tão afeito ao trágico, que flerta periodicamente com a maneira libertária com que o espanhol Pedro Almodovar espia o mundo do lado de cá. Quando elabora tal visada, abandona a tragificação do cotidiano para seguir o caminho oposto: naturalizar as situações mais exóticas, simplificar descaminhos (aparentemente) chocantes, amplificar o mínimo detalhe que transforma desvio em imperativo. E é este Woody Allen subversivo que comanda roteiro e direção de Vicky, Cristina, Barcelona.

Num ensolorado verão em Barcelona, a correta Vicky se apaixona pelo "quente" Juan Antonio, artista plástico de renome, às vésperas do casamento dos seus sonhos. Envolve-se com ele, dorme com ele, não consegue tirá-lo da cabeça. O noivado continua, até virar casamento. A paixão permanece. Cristina, oposta em tudo da melhor amiga, defende o amor livre. Acaba nos braços do latino que confundiu Vicky, com quem vai morar na mesma semana. O quadrilátero se confirma quando a perturbada Maria Elena, ex-mulher de Juan, volta para casa após uma tentativa de suicídio. Cristina envolve-se com os dois, e tudo termina num triângulo insólito, desfeito justamente quando adquire o "peso" do ordinário/comum/pacífico. Nenhum deles sabe exatamente o que quer, e tal incompletude parece ser resultado de corações cheios de dúvida, sempre prontos para bater em horas impróprias.

Todos erram aqui. Não são maus, mas erram por querer, sobretudo a mocinha clássica, Vicky, que precisa receber um tiro na mão para reconhecer a inadequação da roda-viva Maria Elena & Juan às suas expectativas de futuro. Pior: ela erra e ninguém sabe, sequer o noivo. Cristina, ao mesmo tempo, destrói um triângulo (ironicamente) perfeito por pura insatisfação (incurável), desestabilizando a vida de duas pessoas para seguir adiante com a sua. Juan Antonio e Maria Elena optam pela frequência de sempre, entre agressões físicas e encontros fulminantes.

Todos erram aqui, de fato. Envolvem pessoas, subvertem as regras, escondem dados importantes. Mas são todos honestos com o mais importante, eles mesmos. Honestos com suas verdades voláteis, com suas promessas fajutas, com suas permanências insondáveis, com seus mistérios e, sobretudo, com suas confusões. Nas mãos generosas do diretor, tornam-se humanos, jamais imaturos. Woody Allen conhece nossas falhas, nossas faltas, nossas ganas, e nos abençoa (também) por isso. Conviver com os erros é lição de sabedoria, parece dizer, jamais de destruição.

* Scarllet Johansson (a Cristina) foi um dos meus vícios de novembro. Achei completamente vintage a sua voz agudinha e viciei no álbum dela com Pete Yorn. Hoje não aguento mais ouvir...

5 comentários:

  1. é uma seção bem extensa ali da videoteca, chama "lançamentos".
    ps. scarlett johansson, talvez?

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  2. risos. revi ontem, por isso o post.
    afora, não há compromisso com furos aqui.
    ao menos aqui.
    beijo, mano.

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  3. "hoje não aguento mais ouvir..." Espera só a Bebel ler tal heresia... :S Mas concordo que "Blackie´s dead" a musica 6, não dá.
    bjo

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  4. Belo texto, Jade, muito sensível - e sensitivo. Talvez porque eu quase só tenha lido textos de homens sobre esse filme.

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  5. Jonas! Surpresa boa...
    Fico feliz que tenhas gostado.
    Escreveria bem mais sobre o filme.

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