quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Diretoria *

Um deles é intenso como um ponto de exclamação! Fala alto, ri gostoso, explode em palavrões e superlativos mesmo diante das histórias mais ordinárias. Menino ainda, já foi estudante, garçom, recepcionista, produtor, professor, recreador, gerente e cozinheiro, dentre outras atuações impublicáveis. Só faltou a enfermagem. Encaminhado na direção, agora é linguarudo de carteirinha, além de jornalista convicto. Descobriu novinho as surpresas da vida, nem sempre agradáveis, mas dispensou o susto com bom humor. Levou a lição adiante e hoje compensa o tom ardidinho recusando quaisquer julgamentos. Sobretudo os próprios.

O segundo integrante chegou de mansinho, arrastado por uma circunstância nada simpática: começara a namorar uma delas. Quando perceberam, o intruso alastrara-se com tal competência que já coordenava a turma toda. Sempre gostou de carro, futebol e cervejinha, temas antes pouco explorados nas assembléias da diretoria. Aprendeu a conviver com avaianos, sacrifício maior, e enredos dignos de seriado. Especialista em conselhos racionais, desconfia de tudo, bastante, o tempo inteiro. Quando cisma com algo ou alguém, vira piada interna, tamanha implicância. Quando precisa voltar atrás, não recua. Mas mantém o famoso bico armado.

O terceiro sempre alimentou uma perigosa mistura de autocomplacência e irrestrito desprezo pela humanidade. Após anos fora da província, voltou ainda mais, digamos, peculiar. Sábio como uma entidade budista, dotado de certa mediunidade ingrata, antecipa desfechos, prevê situações, anuncia desastres catastróficos - sempre com o mesmo tom de voz. Quase nunca é ouvido. Protesta esbravejando contra o repertório alheio, do alto de sua montanha indie. "É porque eu sou de aquário, babe". Dado a surtos esporádicos, desaparece de vez em quando, sem rastros. Quase sempre incomoda mais do que conforta. Por tudo isso, e tantos mais, nasceu para rei.

Da ala feminina, ela é a mais doce. Transforma os problemas de todos, dos banais aos grandiosos, em enxaqueca ou pesadelos repetitivos, geralmente envolvendo janelas. Ouve calada as histórias mais cabulosas; palpita pouco e compreende tudo. Parceira em games enjoativos, mania antiga das moças, está sempre presente, mesmo quando duplica a carga horária no consultório. Gosta de bichos e conversas esticadas, descobre canções fofinhas que escuta até cansar, lê Fitzgerald na esteira da academia, cria apelidos constrangedores dos quais não consegue se desvencilhar depois. Adepta do macrovita até debaixo d'água.

A outra integrante atravessa profunda transformação, dadas as preferências líquidas da diretoria: trocou as taças de vinho pelo suco de limão, ao descobrir que esperava o primeiro bebezinho. Para compensar o radicalismo necessário, aplicou negrito em várias qualidades. Extremada defensora dos amigos, mesmo quando os encontra nas situações mais desconfortáveis, luta com unhas e dentes contra todos que agridem seus eleitos. É tão parceira que perdoa sem titubear, defende sem pedir explicações, ri e sofre sem saber por quê. Já foi loira, ruiva, morena e cantora. Hoje coleciona histórias bizarras e pede fraldas tamanho M ou G.

A terceira integrante alcançou a façanha suprema: COCHILAR em meio às seletas reuniões festivas. A naturalidade com que os olhos se fecharam em pleno sofá foi tão assustadora que constrangeu até mesmo os defensores do afastamento. Acabaram por concordar, em uníssono: tal desfaçatez merecia respeito, jamais reprimendas. A dona da improvável dormidinha é toda assim: desligada, trapalhona, péssima para números. Em compensação, é autora dos conselhos mais malucos, das histórias (de amor) mais compridas e das madrugadas mais divertidas. Quando alcança o milagre de ultrapassar a meia-noite, é claro.

A última, criadora do conceito "diretoria", mentora da idéia de reunir a turma sob o peso da responsabilidade do título, atrapalha-se um bocado. Tudo é meio over ali: caminha, atropela, ama, arranha. Tem um irmão de fé e outra de infância. Já precisou pedir perdão, e chorou ao receber um abraço apertado de volta. Já precisou partir algumas vezes, mas conseguiu seguir adiante sem olhar pra trás. Graças, sempre, às mãos que encontrou estendidas. Assim como o Nelsão, reconhece que o amigo é um momento de eternidade.

Erram aos borbotões, quase todos os dias, como todo mundo. Acertam também, compartilhando vitórias e felicidades. São velhos amigos de infância, embora dois ou três tenham se encontrado depois dos vinte. Mesmo com motivos de sobra para preocupação - pais, filhos, casa, emprego, dinheiro - confortam-se com a presença inequívoca. Brigam entre si, também quase todos os dias. Mas abandonam qualquer rusga ou arrufo para zelar pela potência da instituição. Alguns adivinham madrugadas escuras, oferecendo telefonemas salvadores. Outros só sorriem, em silêncio.

* A você, irmão, irmão, irmão, meu xodó, meu mais.

12 comentários:

  1. lindo! lindo! lindo! sem palavras.
    li e reli entre risos e lágrimas.

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  2. UAUUUUU!!!!
    no words... ...
    avaianos, agora corrigido. deveias ter deixado errado mesmo (tali quali são)!
    demais, hein? cosa linda.
    bjo bjo

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  3. ai, jade, que lindo! estou com lágrimas nos olhos em plena redação.
    te amo, amiga. desconta a minha ausência momentânea nos cochilos e um pouco mais longa nos telefonemas. faz parte da minha "trapalhice" para arrumar a vida.
    beijos, beijos

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  4. confesso um certo desgosto pela disposição dos parágrafos, e um ainda mais intenso pela aparente ausência de hierarquia nessa bagaça.

    ps. Bebel: "entre risos e lágrimas...", ou seja, seu estado habitual.
    ps2. Felipe: "no words...", seguido de várias words.
    ps3.____________xxx_______
    ______/_;-.___/__\___.-;_\
    ________`-._`'`_/'`.-'
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    _____________>:|/
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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. Claro que a trapalhona da camila esqueceu de assinar. ahahahahahahahahahahahahahaha.
    e claro que o maninho tinha que fazer algum comentário muito muito muito irritante.
    amo todos vocês, pra sempre, por tudo.

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  7. Oras, não sei se sou eu ou o Felipe o membro mais novo nessa hierarquia. Se bem que, pra falar a verdade, tal mero detalhe não importa! O importante mesmo são os incontáveis momentos juntos, esses sim são impagáveis. Talvez ninguém decifre tão bem os amigos e a si mesmo que a própria autora deste blog. Dona de si e da verdade como ninguém, é autora dos problemas mais complicados que se vai encontrar por aí,mas sempre segue em frente. No fundo essa é apenas uma desculpa pra poder manter os amigos o tempo todo por perto! Dá pra dizer outra coisa além de EU TE AMO?

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  8. E o Diego L. Torres, como sempre, falando/escrevendo demais, cheio de superlativos. risos.

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  9. - jade, quem é o sétimo integrante que não consegui reconhecer?
    - como assim, diego?
    - o sétimo, quem é?
    (sem comentários, risos)

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  10. bom, eu teria a desculpa perfeita para as lágrimas que teimaram em cair durante a leitura... a confusão hormonal das quase-mães. se fosse isso mesmo.
    amei, poia!

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  11. Jade, que texto mais lindo! Usar o sua criatividade para emocionar toda a turma. Amei. Beijos, menina esperta.
    Dani.

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