quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

metal sem ferrugem

Foi acordada às oito e vinte com o telefonema mais imprevisto daquele quente mês de outubro. "Pequena?". Reconheceu imediatamente a voz rouca, resquício de doses de uísque e cigarros amarfanhados, embora o número na tela não remetesse aos verdes anos. "Você?!?!". Riram, a mesma gargalhada de antes.

Queria alguém para dividir uma história de fracasso retumbante, um fracasso pelo qual torceram e sonharam juntos. Queria alguém, não; queria ela. Carolina não só estava a par do assunto como ainda ofereceu detalhes sórdidos. Sentiu muita vontade de contar para ele assim que ouviu a primeira suspeita, boato ainda, mas estava à espera de qualquer sinal para avançar. Felizmente, o telefonema atropelou seu (raro) cartesianismo. "Estaremos sempre juntos nessa campanha" - conseguiu dizer, feliz com a surpresa. Ele concordou, rindo. Como sempre, só alegria.

Somente os dois sabiam o tanto que precisaram lutar para impedir aquela tragédia. E lutaram, de fato, juntos, como o tanto mais que realizaram, juntos sempre, naqueles tempos já perdidos. Conversaram sobre o ano: doenças e mortes, shows e escândalos de conhecidos, projetos e mudanças, faculdades e viagens, fins e zeros esticados. Usaram os mesmos apelidos. Ela teve vontade de cantar algum verso da época, mas as canções escaparam. Ele quis agradecer, de novo, o empenho em meio à (quase) derrocada. Ela não aceitou: recebera leveza daquelas mãos, um presente definitivo para se transformar na borboleta de agora.

Paulo entregara o pacote sem se dar conta do tamanho da oferenda, espontâneo como todos os legítimos, sem sequer imaginar o tamanho do buraco da namorada. Carolina teve vontade de dizer a verdade, verdade jamais sugerida, mas preferiu desviar do assunto. Se estavam ali, dividindo aquele fracasso tão sonhado, era porque algo muito grandioso permanecia vacinado contra a ferrugem, a despeito do espanto da turma, tão presa em picuinhas, à revelia deles mesmos, às vezes tão prontos para o mal. Jamais se esqueceriam, e tal sentença não cabia em palavras.

Despediram-se sorrindo, a mesma gargalhada de antes.

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