sexta-feira, 13 de novembro de 2009

a (im) potência dos círculos

Quando encarou a imagem do espelho, precisou recorrer à velha dureza para seguir adiante. O coque esticado com grampos mais escuros do que o cabelo, o collant apertado em tons de cinza, a meia calça cor-de-rosa sem rasgos ou riscos e as sapatilhas de pontas desafiadoras denunciavam uma nova rachadura, talvez a maior de todas. Algum desespero inquietante já afastara o horizonte com tanta crueldade que apenas um resgate das grades do passado parecia capaz de colorir a vida de possibilidades.

Há dez anos não vestia as sapatilhas, há dez anos evitava aquele retorno antes tão incerto, há dez anos o mundo prometia aventuras dignas da alta literatura. Se estava ali agora, dividindo a barra com uma turma de crianças espantadas com os respingos de tristeza, é porque tudo se desmanchara mais uma vez. Antevia, porém, e sem dificuldade, a falência do mergulho – jamais teria dezoito anos novamente. Já desejava pouco demais para realizar tamanho avanço. Desejava cada vez menos: gestos vagos, inocências perdidas, perdões pelo excesso, construções atrasadas, mais tempo.

Olhou-se de perfil e contabilizou as destruições dos últimos meses; provavelmente jamais se manteria de pé sobre as sapatilhas novamente. O furacão arrancara todas as árvores: profissão, canções, parentes, amizades, rotina, projetos, parte da casa. Bastava um tantinho de equilíbrio para agilizar a retomada – mas onde? Quem lhe estenderia as mãos se continuava precisando estender aos outros? Sentiu medo dos abrigos hipotéticos.

Pensou nas novidades que povoavam o mundo descascado de então, tantas, diversas, cheias de promessas e alívios. Cuidaria bem da gata ainda sem nome? Ainda não sabia, como não sabia um sem fim de dados importantes, e urgentes, e inadiáveis. Conseguiria de fato? Sim, conseguiria, conseguiriam todos – assim era sempre. Limpou as lágrimas da alma, apertou o estômago dolorido em queimaduras de gastrite; encarou uma a uma as manchas roxas das pernas. Contara dezoito na semana anterior.

Equilibrou-se apenas na perna esquerda, recebeu um sorriso suave de criança. Retribuiu, rodopiou, abandonou o pior. Ainda havia amor, e ainda havia esperança, e ainda havia expectativa. Além do mais, não pode existir receio no coração das bailarinas. Agradeceu às sapatilhas, à vida, a ele. Não faltavam motivos.

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