quarta-feira, 18 de novembro de 2009

as dores que não curam em botecos

Desde garotinha coleciono livros de psicologia e psiquiatria, sobretudo relacionados a comportamento, tipos de personalidade e distúrbios de humor. Sempre fiz questão de manter os conceitos na ponta da língua, bem como a anamnese necessária para diagnosticar cada caso. Por uma infinidade CONSTRANGEDORA de motivos, e para (tentar) compreender os inexplicáveis da experiência humana, reli uma penca deles em 2009. Abaixo, uma palhinha da introdução de um dos melhores da estante. Se não o mais acessível aos leigos, já que pressupõe algum conhecimento prévio da teoria de Freud, epicentro das escolhas da autora, ao menos o mais tocante, pelas difíceis questões trabalhadas. Chama-se Perdas Necessárias, e é da psicanalista Judith Viorst.

"Um tanto enrugada, altamente vulnerável e definitivamente mortal, examinei essas perdas. Essas perdas de uma vida inteira. Essas perdas necessárias. As perdas que enfrentamos quando nos vemos face a face com o fato do qual não podemos fugir...
que nossa mãe vai nos deixar, e que nós vamos deixá-la;
que o amor da nossa mãe jamais será só nosso;
que as dores que nos machucam nem sempre desaparecem com um beijo;
que estamos no mundo essencialmente por nossa conta;
que teremos de aceitar - nos outros e em nós mesmos - um misto de amor e ódio, de bem e de mal;
que, por mais sábia, bela e encantadora que seja, nenhuma garota pode se casar com o pai quandro crescer;
que nossas opções são limitadas pela anatomia e pela culpa;
que nosso status neste planeta é implacavelmente efêmero;
e que somos completamente incapazes de oferecer a nós mesmos ou aos que amamos qualquer forma de proteção - proteção contra o perigo e a dor, contra as marcas do tempo, contra a velhice, contra a morte, proteção contra nossas perdas necessárias."

* Um brinde aos heróis que concluem o trecho sem engasgar em nenhum tópico!

** Quando leio teoria, sempre volto à ficção, e vice-versa. Um dos melhores TRATADOS sobre a perda está no conto Babilônia Revisitada, de Scott Fitzgerald. Escrita em 1931, a história narra uma sucessão de perdas devastadoras porque irremediáveis, inadiáveis porque inexoráveis, definitivas porque contingenciais. "Tudo acabou, inclusive eu" - diz o protagonista Charles Wales, alcóolatra regenerado, abrindo a narrativa. Para conferir, 25 Contos Escolhidos, da Companhia das Letras, com (excelente) tradução de Ruy Castro.

*** Drops do melhor de Fitzgerald:
"Já se fartara do afã e da inventividade de Montmartre. Constatou que, ali, a oferta de vício e extravagância se dava numa escala tremendamente ingênua, e só então se deu conta do significado da palavra 'dissipar' ― dissipar no ar; transformar qualquer coisa em nada. Às altas horas da madrugada, cada deslocamento de um lugar para outro era um gigantesco salto humano, e pagava-se um preço cada vez mais alto pelo privilégio de movimentos mais e mais lentos.
Ele se lembrou das notas de mil francos dadas a orquestras para tocarem uma única canção, das notas de quinhentos francos atiradas a porteiros por terem chamado um simples táxi. Mas esse dinheiro não tinha sido em vão. Mesmo as quantias mais loucamente desperdiçadas haviam sido dadas como oferenda ao destino…"

Um comentário:

  1. mto inpirador, Jade. Tava querendo q aparecesse algo assim preu ler. Thanks, querida!

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