quarta-feira, 5 de agosto de 2009

3 versões para uma mesma sombra*

"O homem na rua moderna, lançado nesse turbilhão, se vê
remetido aos seus próprios recursos – freqüentemente recursos
que ignorava possuir – e forçado a explorá-los de maneira
desesperada, a fim de sobreviver. Para atravessar o caos, ele
precisa estar em sintonia, precisa adaptar-se aos movimentos do
caos, precisa aprender não apenas a pôr-se a salvo dele, mas a
estar sempre um passo adiante. Precisa desenvolver sua
habilidade em matéria de sobressaltos e movimentos bruscos, em
viradas e guinadas súbitas, abruptas e irregulares – e não
apenas com as pernas e o corpo, mas também com a mente e a
sensibilidade".
(Marshall Bermann, Tudo o que é sólido desmancha no ar)


"Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,
onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.
Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,
e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.
À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze
ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.
Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.
Caminhas entre mortos e com eles conversas
sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.
A literatura estragou tuas melhores horas de amor.
Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.
Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota
e adiar para outro século a felicidade coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan".
(Carlos Drummond de Andrade, Elegia 1938)


"Não acredito em honestidade sem úlcera".
(Nelson Rodrigues)


* por ora, só sobrou disposição para falar através da boca dos outros.

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